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terça-feira, 31 de julho de 2012




Carta de Sorocaba
NuPar – Núcleo de Parteria Urbana da ReHuNa


Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças”.
(Fernando Pessoa)


Nós, ativistas da humanização do nascimento, reunidos na cidade de Sorocaba nos dias 27 a 29 de julho de 2012, no IENAPARTU - Encontro Nacional de Parteria Urbana, vimos por meio desta manifestação tecer considerações e propostas sobre o atual estado da assistência ao parto no Brasil.

Desta forma consideramos:

1. A necessidade da proteção do parto normal como evento biológico, fisiológico e culturalmente construído, diante da ameaça a que está submetido pelo alto índice de nascimentos cirúrgicos nas cidades brasileiras. O Brasil já atingiu a vexatória marca de 52% de cesarianas no ano de 2011, e a Agencia Nacional de Saude Suplementar (ANS) aponta que 84,5% dos nascimentos da classe média ocorrem pela via cirúrgica, o que por si só pode ser considerado uma violência contra a integridade física das mulheres.

2. A importância de oferecer uma assistência humanizada em face dos altos índices de violência institucional às mulheres como recentemente comprovada por pesquisa da Fundação Perseu Abramo demonstrando que 25% das mulheres relatam algum tipo de violência durante sua permanecia no hospital. Essa violência é caracterizada como violência de gênero que atenta contra dignidade humana em um momento de vulnerabilidade e alto significado cultural.

3. Os recentes episódios envolvendo o constrangimento para o trabalho e autonomia de obstetrizes e doulas na assistência à gestante limitam a visão transdisciplinar da assistência ao parto, o que configura um desrespeito à liberdade de escolha da mulher enquanto cidadã.

4. O estabelecimento artificial do momento do parto por interesses outros que não da fisiologia do processo desencadeiam malefícios para o binômio mãebebê com consequências a curto médio e longo prazos.

5. A deficiência dos órgãos formadores de profissionais, em nível de graduação e pós-graduação, que atendem o nascimento e recém-nascido podem afastar estes profissionais de uma vivencia respeitosa com a fisiologia do processo.

6. A adoção acrítica do modelo tecnocrático que despreza as visões integrativas da parturição despersonaliza e objetualiza as gestantes, limita a abrangência cultural, psicológica, afetiva, emocional e espiritual do nascimento.

7. A visão contemporânea do nascimento é marcada pelo signo do medo necessitando que essa visão seja transformada em uma visão positiva, com base na confiança.

8. A negativa de cumprimento, pelos hospitais públicos e privados, da lei do acompanhante de 2005, assim como o bloqueio da presença de doulas, agridem o trabalho desses profissionais assim como a liberdade de escolha das parturientes.

9. A deficiência de registros e a inexistência de divulgação de práticas hospitalares que nos possibilitem uma avaliação de projetos que visem à humanização.

10. A falta de preparo técnico e profissional para uma ação conjunta que ofereça suporte ao atendimento do parto no ambiente extra-hospitalar

11. A desvalorização dos profissionais envolvidos no parto tanto quanto a sua baixa remuneração, no setor púbico e no setor privado, levam à qualidade inadequada da assistência ao parto e nascimento.

Diante dessa situação, propomos:

1. Ressaltar o protagonismo da mulher como preceito fundamental na assistência ao parto.

2. Resgatar o nascimento como um evento integral respeitando as culturas onde ele esta inserido.

3. Reforçar a visão transdisciplinar na atenção ao parto estimulando um esforço colaborativo, com ênfase na horizontalidade, respeitando as especificidades e estabelecendo como foco primordial a atenção integral à mulher, bebê e família.

4. Estimular que os órgãos formadores, de graduação e pós-graduação, incluam nos currículos aspectos da humanização e nascimento, baseados nas evidências cientificas atuais. Recomendamos a criação de sistemas nacionais de avaliação curriculares sobre esse tema, assim como estímulo à criação de grupos de pesquisa sobre práticas baseadas em evidencias na atenção à gestação e ao parto e nos cuidados com recém-nascido.

5. Conscientizar as mulheres e sociedade sobre o risco associado ao excesso de intervenções no ciclo grávido-puerperal.

6. Incentivar a criação, manutenção e proteção dos cursos de formação de obstetrizes e na pós-graduação em enfermagem obstétrica, para preencher a lacuna de assistência existente nas grandes cidades. Estimular a adoção de políticas de inclusão de obstetrizes, enfermeiras obstétricas e doulas no sistema público e suplementar, através de legislação e política de inclusão na atenção direta ao parto, devendo essa assistência ser coberta e remunerada inclusive pelo sistema suplementar.

7. Ressaltar a importância do parceiro(a) no processo de nascimento, pois esta presença se correlaciona positivamente com o fortalecimento dos laços familiares, o que contribui para a diminuição da violência doméstica.

8. Investir na formação e capacitação dos profissionais habilitados e reconhecidos pela OMS: o obstetra, médico de família, enfermeira obstetra e a obstetriz.

9. Estimular programas e publicações governamentais de educação continuada, voltados à humanização do nascimento.

10. Estimular a criação de novos espaços de atenção ao parto extra-hospitalar assim como a proteção dos já existentes, dentro de um programa nacional de humanização do nascimento pelo Ministério da Saúde. Regulamentar e fiscalizar a atuação de parteiros urbanos, dentro de parâmetros de segurança, garantindo a ampla escolha do local de parto pelas mulheres e suas famílias.

11. Estimular uma visão colaborativa e fraterna entre todos os espaços de atenção ao parto, visando uma abordagem integrativa do ato do nascimento e oferecendo uma ampla gama de alternativas para as mulheres.

12. Incluir o ciclo gravídico puerperal nos currículos escolares dentro da disciplina de “Educação Sexual”, reforçando os aspectos sociais, culturais e psicológicos, além dos aspectos biológicos e reprodutivos.

13. Estimular a capacitação, formação e educação continuada de doulas para complementar a assistência integral à gestante, oferecendo apoio nos aspectos emocionais e físicos para ela e sua família.

14. Fazer valer a RDC 36/2008, que regulamenta qualquer estabelecimento de atenção obstétrica, assim como realizar a sua fiscalização efetiva.

Sorocaba, 29 de julho de 2012.

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